quarta-feira, 29 de junho de 2011

O poder de compra e a sua relação perversa com a competitividade - Afinal, quem é que não tem calções?

Um estudo publicado na semana passada revela que Portugal ocupa o 18º lugar entre os 27 Estados-membro da UE em termos de Poder de Compra. Entre os países da Zona Euro só dois estão atrás de nós: a Eslováquia e a Estónia. De recordar que dos 27 países da UE só 10 não aderiram à União Monetária...

Um dos aspectos mais sublinhados no estudo é o facto do Poder de Compra português ser inferior ao grego. Enquanto o Poder de Compra dos portugueses é 81% da média europeia, o dos gregos é de 89%.

Não querendo aqui fazer a apologia dos baixos salários, a verdade é que Salário Mínimo Nacional (SMN) na Grécia é de 681€, enquanto que em Portugal é de 485€. Não possuo estatísticas relativas ao número de trabalhadores que o auferem em cada um dos países mas, só por este dado, já se percebe esta discrepância.

Um estudo divulgado pela OIT em Outubro de 2008 revelava que o leque salarial (a diferença entre o salário mínimo e os salários mais altos) em Portugal era dos mais altos nos países da OCDE, sendo apenas ultrapassado pela Espanha.

Ora, tudo isto leva-me a dizer o seguinte:

  • Treze anos de governação socialista foram incapazes de inverter esta tendência. Pior: agravaram-na! Portugal é, hoje, um dos países mais desiguais entre os membros da UE;
  • Mais uma vez, não fazendo a apologia dos baixos salários, diria que só o facto de se practicarem estes níveis salariais, evitou que Portugal se tornasse ainda menos competitivo do que já é!
  • Ao invés, a Grécia está agora a ser vítima dos salários que pagou por trabalho que deveria ter sido menos bem remunerado. Confuso? O que quero dizer é que os gregos, e também os irlandeses, beneficiaram durante algum tempo de salários artificialmente altos. Artificialmente, porque não sustentados em aumentos reais de produtividade. Os efeitos são conhecidos...
  • Voltando a Portugal, pode-se dizer, ainda, que, se os salários são o que são, e o endividamento das famílias é o que é, imaginem qual não seria o endividamento destas se os salários fossem mais altos. Pode-se dizer: “não, o endividamento seria inferior, pois haveria mais capacidade de aforro”. Mas eu digo: “OK, estamos a falar de Portugal! Quanto mais alto for o salário, mais alto será o consumo e não a poupança”... O nosso país tem coisas maravilhosas para um Economista estudar...

Pegando nisto, e para que não se diga que eu sou um adepto fervoroso dos baixos salários, eu diría que a contenção salarial em Portugal tem sido conseguida à custa das PME's, as famosas Pequenas e Médias Empresas. Segundo dados fornecidos pelo INE, relativos a 2008, as PME representam 99,7% do tecido empresarial, geram 72,5% do emprego e realizam 57,9% do volume de negócios nacional. A maior parte destas empresas são, na verdade, micro-empresas que empregam 10 ou menos trabalhadores e são elas que põem a Economia a mexer.

Não é por acaso que, no discurso político, da Esquerda à Direita, todos defendem o apoio às PME's. Quem não se lembra do famoso apoio às “piquenas” e médias empresas segundo Manuela Ferreira Leite? Ora, qualquer um de nós “compra” essa estratégia. Mas diga-se em abono de verdade que defender as Micro, Pequenas e Médias Empresas passa, muitas das vezes, por pôr na linha as grandes empresas. As Grandes Empresas de que falo são autenticos adamastores sustentados por todos nós. São empresas semi-públicas, algumas delas cotadas em Bolsa que, apesar, de trabalharem na esfera privada, continuam “contaminadas” por vícios que ficaram dos tempos em que eram empresas públicas. Ao trabalharem em mercados monopolistas ou de oligopólio, sem concorrência ou com muito pouca, estas empresas, do ramo das Comunicações, Combustíveis, Energia e Redes Viárias, registam lucros fabulosos que rapidamente canalizam para investimentos no estrangeiro, “sangrando” a economia nacional e retirando-lhe recursos que são produzidos à conta dos consumidores e utentes “tugas”. Bem, para quê esta divagação agora? Por duas razões:

  • Primeiro, para dizer que as nossas PME's seriam bem mais competitivas se não fossem “sugadas” por estes “adamastores”. É verdade que todos esses sectores têm entidades reguladoras, mas digam-me: têm-se apercebido da sua actuação?
  • Segundo, para dizer que o salário médio, que é apenas um produto estatístico, é altamente empolado pelos salários anormalmente altos que se pagam nesses sectores protegidos, aos quais eu juntaría a Banca... No fundo, a contenção salarial tem sido só para alguns...

Há pouco tempo, alguém usava uma imagem engraçada para descrever as mazelas que a crise pôs a descoberto: “quando o nível da água desceu abaixo da cintura nós (Portugal) éramos os únicos que não tinhamos calções”... Não é bem assim. Já percebemos, fazendo uma analogia, o nu integral da Grécia e não só. Uma nota do FMI revelada hoje na comunicação social indica que o limite de endividamento dos EUA terá que aumentar, sob pena de, a breve trecho, se enfrentar o risco de bancarrota. Já há alguns dias a Fitch tinha dito o mesmo. O endividamento externo e a dívida pública americana começam a ter dimensões verdadeiramente incontroláveis. Quando ouvi isto, veio-me à cabeça a imagem de Barack Obama, há meses atrás, sentado no Palácio de Belém, a assinar o livro de honra, enquanto Cavaco lhe sussurrava ao ouvido as razões pelas quais não se podia comparar a situação de Portugal nem com a Irlanda, nem com a Grécia. É caso para se dizer “fala o roto para o nú”!


Já agora... não deixo de ficar perplexo com o poder de compra que os cidadãos americanos revelam em terras portuguesas. Com o Dólar tão depreciado... como é isso possível? Desconfio que, da mesma forma que os gregos se andam a pagar bem, também os EUA andam a viver claramente acima das suas possibilidades... Em três anos a Economia americana foi do céu às profundezas do Inferno. Em 2008 a taxa de inflação era a mais baixa em 54 anos! Agora, em 2011, já está acima dos 3%. É aquilo a que, em Economia, se chama o fenómeno da “Inflação Importada” - que ocorre, em Economia aberta, num país cuja moeda se depreciou, à medida que fica cada vez mais caro adquirir matérias primas ou bens de consumo ao estrangeiro.

Ou seja, em conclusão, a actual situação não é boa para ninguém: nem para a Europa, nem para os EUA... Mas, aos americanos, dá-lhes jeito que se fale da Europa e do Euro, para que não se fale deles. Paul Krugman e Joseph Stiglitz dois Prémio Nobel da Economia, ambos americanos (curioso, não?) têm andado num afã e prever o fim da Moeda Única Europeia e a falência de algumas Economias da UE. O primeiro, feroz adversário da política de Bush é agora incapaz de tecer críticas a Obama. O outro, diz que a crise é resultado do “pensamento da direita”. Senhores doutores, um bocadinho de honestidade intelectual talvez desse jeito!