OK, eu sei que sou suspeito. Eu confesso... sou um cavaquista! Está feita a minha a declaração de interesses. Vamos a isto.
Hoje faço uma reflexão que já há algum tempo estou para fazer aqui e que acaba por ser precipitada pela polémica em torno dos rendimentos do Presidente da República.
José Sócrates, no seu fervor e afã moralista (a moral era para os outros, para ele, era o que se sabe...) determinou que não seria possível acumular rendimentos de pensões com rendimentos provenientes do exercício de cargos políticos. No máximo poderia continuar a receber a sua pensão e passar a receber apenas um terço do vencimento ou vice-versa.
Como, em Portugal. as pessoas têm medo de falar com a Segurança Social, com a CGA e transpiram e tremem de medo quando têm algum assunto a tratar com estes, para evitar males maiores, os reformados ainda no activo optaram por não mexer nas suas pensões (não fosse o diabo tecê-las) e optaram por abdicar de dois terços do seu vencimento. Passámos então a constatar situações ridículas, como aquela que se registava na Câmara de Alcobaça no mandato anterior, em que o então Presidente da Câmara, recebendo apenas um terço do vencimento, auferia um salário inferior ao de qualquer técnico superior daquela entidade. É verdade que eu sei, todos deviamos saber, que não é o dinheiro que move estas pessoas. Ao contrário do que o povão diz nas conversas de café e nas manifs de indignados, nem todos os políticos estão na política por dinheiro. Mais, criou-se e está-se a criar um clima de bisbilhotice e hiper-escrutínio que, a prazo, e não muito longo, só os incapazes e os incompetentes estarão disponíveis para exercer cargos políticos. Pessoas com alguma ambição e capacidade não estarão disponíveis para ter que expor toda a sua vida pessoal e financeira a troco de dos vencimentos que se pagam à classe política. É verdade que há muito quem aufira rendimentos, no exercício de cargos políticos, que vão muito para além daquilo que qualquer empregador privado lhe pagaria...mas também é verdade que há muitos que não estão disponíveis para o exercício de cargos políticos, pela questão dos rendimentos.
É verdade que o país é pobre e que não pode sustentar mordomias, mas também é verdade que se quisermos nivelar a classe política por baixo, fazendo o discurso dos desgraçadinhos, também não vamos a lado nenhum.
O caso do Presidente da República, então, é paradigmático. Já nos tínhamos apercebido há algum tempo atrás que Maria Cavaco Silva auferia uma pensão de oitocentos euro. Na altura já houve quem achasse que era uma belíssima pensão... eu, como conheço "n" professoras reformadas com pensões na ordem dos dois mil euro, pensei cá para mim "que defeito é que tem a mulher do Presidente?". Por ventura, tem o "defeito" de ter acompanhado o marido nos dez anos de governação entre '85 e '95. Esse trabalho terá sido inútil?
Agora, mais recentemente, ficámos a saber pela boca do próprio (do Presidente) qual o seu nível de rendimentos. E devo dizer que, para um qualquer democrata (independentemente de republicano ou não), este foi um momento deplorável e decadente para a Nação. O mais alto magistrado da Nação ter que justificar perante os jornalistas quanto ganha, ou não ganha, é deplorável.
Quando Cavaco diz que "mal dá para pagar as contas", sendo uma metáfora, não andará longe da realidade. O nosso povão, ignorante, invejoso, vem logo com o discurso dos pensionistas dos trezentos euro. Não dizem que esses pensionistas, muitos deles, nunca contribuiram com um tostão para qualquer sistema de pensões... O povão ignorante e invejoso, desconhece, ou não quer saber, que o Presidente da República tinha direito a viver com a sua família no Palácio de Belém, como fizeram, antes de si, Ramalho Eanes e Mário Soares. Poderia fazê-lo e mandar cortar a água e a luz e outros na Travessa do Possoulo, onde vive. Ao tomar esta opção, fá-lo porque quer, mas poupa dinheiro ao erário público... O povão ignorante e invejoso nem sequer se questiona se uma monarquia não saíria muito mais cara que o actual regime.
A mim, que não morro nem me deixo afectar pelo mal de inveja, e que defendo a existência de uma classe política qualificada e com remunerações justas, perturba-me que a Presidência da República se tenha tornado num exercício de voluntariado. E que o povo (aqui já não é só o povão) ache que isso é bem, é normal e que tem que ser assim!
De certa forma, isto também é representativo da situação à qual o país chegou.